"Parecia que a SS (organização paramilitar ligada ao partido nazista e a Adolf Hitler) iria entrar pela porta e ordenar minha execução. Era uma manhã de outono na Polônia, tudo era cinza, e o frio castigava os inúmeros visitantes. Olhei para cima, tentando fazer a leitura da luz e observei que o céu chorava, as lágrimas estavam em forma de garoa fina, que deixava a paisagem ainda mais pesada. Respirei fundo e me coloque a fotografar...
Através das lentes de minha câmera, o filme de horror nazista se repetia em silêncio, a emoção me arrebatava a cada click; sentia uma angústia profunda, e as lágrimas não demoraram a cair (como aquela garoa lá fora). Era como se cada um dos milhares de mortos naquele local tentasse me pedir ajuda, uma sensação horripilante e amedrontadora.
Ao empunhar a câmera para registrar tudo, sabia que minhas imagens repetiam algo visto e compartilhado pelos quatro cantos do planeta, mas minha missão ali era nobre: levar um grito de PAZ para Juiz de Fora, minha cidade natal e, através das fotografias, dizer um BASTA a todo tipo de injustiça e intolerância. Queria, naquele momento, colocar em cada foto toda minha indignação e repúdio à violência, fazendo com que minhas imagens clamassem por justiça, anexando a cada uma delas a bandeira com o pedido de PAZ."
Porta do Inferno - Auschwitz II - Birkenau Entrada dos trens que transportavam os prisioneiros |
Foi assim que
o repórter fotográfico da Tribuna de Minas Fernando Priamo descreveu sua visita à Auschiwitz I e II (Birkenau), campos de concentração nazista onde morreram cerca
de 1,5 milhão de pessoas.
Desde o
momento em que Adolf Hitler assumiu a liderança política da Alemanha, começou a
proclamar a necessidade de se exterminar alguns grupos indesejáveis da
sociedade alemã para que o país pudesse se recuperar das humilhações sofridas
após a I Guerra Mundial e das consequências da crise econômica de 1929.
O momento era muito crítico na Alemanha dos anos 1930, os alemães estavam humilhados pela guerra, revoltados e viram em
Hitler a esperança de uma recuperação da nação e depositaram nele toda a
confiança. De fato, Adolf Hitler conseguiu reerguer a Alemanha, tirando-a do cenário
catastrófico que se encontrava, mas sempre apresentando uma postura radical.
Em 1939, rompeu
de vez o clima de instabilidade presente na Europa e uma nova guerra mundial
teve início. Foi então que os alemães começaram a construir os campos de concentração nazistas.
Foram três os campos principais auxiliados por mais trinta e nove.
Localizavam-se nas cidades de Auschwitz e Birkenau,
próximas da capital polonesa Cracóvia.
O campo de concentração nazista Auschwitz I era
o centro administrativo dos campos, é nele que se localiza a famosa placa com a
frase “Arbeit Macht Frei” (O trabalho liberta). O campo serviu
mais para utilização do trabalho forçado dos prisioneiros, mas foi nele que os
nazistas testaram a primeira câmara de gás.
Auschwitz II
foi construída com o objetivo exclusivo de extermínio. É este o campo mais
conhecido pelas pessoas e onde mais se matou pessoas. Era equipado com quatro
crematórios e câmaras de gás, as quais podiam receber, cada uma, cerca de 2.500
pessoas por vez.
Já o campo de
concentração nazista Auschwitz III, o terceiro entre os três principais, foi utilizado
especialmente para trabalho escravo pela empresa IG Farben.
Este complexo
envolvendo os três campos de Auschwitz foi o maior entre os dois mil campos de
concentração e trabalhos forçados construídos pelos nazistas.
Para falar
sobre Auschwitz, combinei com o fotógrafo Fernando Priamo uma entrevista no
Centro Cultural Bernardo Mascarenhas, onde se encontra a exposição "Retratos de Auschwitz. A arte em busca da paz", que compõe o projeto Foto 13.
Ao entrar na
exposição, é como se você entrasse no túnel do tempo e se transportasse para
Auschwitz de 1940. Toda a exposição foi cuidadosamente preparada para te levar
a esse mundo de horror: fotos em preto e branco, cercadas por arama farpado e
com reprodução da placas de aviso de cerca elétrica. Difícil é não sair de lá chorando e impactado
com as fortes cenas e histórias que você vai encontrar.
Exposição "Retratos de Auschwitz: a arte em busca da paz" |
Abaixo, a íntegra da entrevista realizada com Priamo.
Kelly: Ao
entrar no campo de concentração nazista de Auschwitz, o que te chocou, o que te
impressionou mais?
Fernando: Foi a forma como o campo está preservado e a história em si. Como a gente já conhece a história, você começa a sentir o que os presos sentiam, você
começa a imaginar o que eles estavam passando e a presença das pessoas, a
presença dos soldados é muito forte lá ainda. Você começa a fotografar com uma
carga de angústia muito grande. E quando você vê, está chorando. Você
está completamente envolvido na situação. Parece que você está sendo vigiado o
tempo todo. Parece que tem alguém atrás de você.
Por que
colocar as fotos em preto e branco?
Eu já
captei as fotos em preto e branco. Quando eu fui
visitar o campo, eu já tinha a ideia de fazer uma exposição para as escolas
municipais. O preto e branco remete a um lugar que não pode ter cor, porque não
teve vida, teve morte. Eu não posso dar uma alegria a um lugar que só
causou morte e tristeza. O preto e branco vai nos trazer um pouco da realidade
que é Auschwitz.
Das
histórias que você ouviu por lá, qual te tocou mais?
A que me
deixou mais emocionado foi a do Frei Maksymilian Maria Kolbe. Foi um frade franciscano
que, em 1982, foi canonizado pelo Papa João Paulo II. Ele trocou a vida dele pela
de um prisioneiro, pai de família. O frade foi condenado a morte, como as outras
pessoas do campo de concentração nazista. Como tinham duas semanas que ele estava na célula
de fome e não morria, lhes deram uma injeção de ácido para ele morrer. A
forma como ele se doou foi marcante. E isso lá é muito forte. Como a Polônia é
um país católico, eles veneram o frei.
Célula de fome do Bloco 11 - Onde morreu São Maximiliano |
Você
conversou com algum polonês sobre o campo de concentração nazista?
O guia que
estava com a gente era polonês e falou um pouco do que os eles passaram e como lidam com Auschwitz. A história da Polônia é uma
história muito triste. Anos e anos a Polônia vem sendo dominada por vários
impérios. Ela vem sendo agregada a
outros países. Então, o sentimento do
polonês de se fortalecer e dar a volta por cima é muito grande. Eles deixam esses
campos lá como uma marca de que eles se livraram do nazismo, se livraram do
comunismo. E hoje a Polônia só tem crescido.
Dessas
fotos, qual você gosta mais?
Não tem uma
que eu goste mais. Eu acho que todas fazem parte de um grande conjunto. Porque
essas fotos não são fotos para se deixar expostas em casa. São fotos que você
leva para uma escola, porque tem um viés didático muito grande. Uma foto só não
conta a história, porque essa história é muito rica.
Você doou essa exposição para alguma escola específica?
Eu doei
essa exposição toda para a Funalfa. A Funalfa vai fazer uma parceria com a
Secretaria de Educação e essas imagens vão percorrer as escolas que
quiserem a exposição lá. Assim, os professores vão poder mostrar as
consequências da falta de respeito, da desigualdade social. Aushwitz é a
consequência da falta de humanidade, respeito, igualdade, solidariedade, de
justiça. O campo de concentração nazista é o máximo desse tipo de falta. Eu acho que é isso que os
professores deveriam mostrar. A intolerância que a gente tem uns com os outros.
A desigualdade social. Aushwitz é um grande acontecimento que agrega essas
coisas que pingam na nossa sociedade isoladas, mas que se forem colocadas
juntas, se tornam uma Aushwitz. É esse o objetivo da exposição. Fazer as pessoas
refletirem sobre como a gente lida com o mundo hoje, como a gente lida com o
nosso semelhante. Aushwitz é uma ferida que
não cicatriza e nem pode ser cicatrizada porque senão a gente esquece e volta a
cometer os erros que os alemães cometeram na Segunda Guerra Mundial.
Em qual palavra você resume Auschwitz?
Desumano.
Essa palavra agrega todas as outras.
Mesmo a
Alemanha sofre com esse passado negro de sua história. Lá não existe
um símbolo da nação. Eles se sentem coibidos em ser nacionalistas. É uma dívida
que eles tem com a sociedade e da qual eles tentam se redimir.
No museu está exposta uma das mais chocantes provas do crime - cerca de duas toneladas de cabelos de mulher, cortados das vítimas.
No Museus, se encontram os pertences das crianças deportadas para Auschwitz para extermínio.
Evidências de crime - boneca e sapato de criança |
No museu está exposta uma das mais chocantes provas do crime - cerca de duas toneladas de cabelos de mulher, cortados das vítimas.
Evidências de Crime - cabelos de mulher |
Esses sapatos pertenciam às pessoas deportadas para Auschwitz para exterminio.
Evidência de crimes - sapatos |
Durante a
Segunda Guerra Mundial, vários médicos alemães realizaram “experiências”
desumanas, cruéis, e muitas vezes mortais em milhares de prisioneiros dos
campos de concentração. Os cientistas testaram agentes imunizantes e soros para
prevenir e tratar doenças contagiosas como a malária, o tifo, a tuberculose, a
febre tifóide, a febre amarela e a hepatite infecciosa, inoculando os
prisioneiros com tais doenças. Os médicos também testaram diversos métodos, com o
objetivo de desenvolver um procedimento eficaz e barato de esterilização em
massa de judeus, ciganos, e outros grupos considerados pelos nazistas como
racial ou geneticamente indesejáveis.
O principal médico do campo de Auschwitz foi Josef Mengele, que torturou e matou milhares de pessoas em nome da
ciência nazista. Os poupados da morte imediata eram enviados para o
"zoológico", os barracões onde ficavam as cobaias humanas de seus
experimentos. Entre eles, havia principalmente irmãos gêmeos, anões e
portadores de deficiências físicas. O "Anjo da morte", como ficou
conhecido, dissecava pessoas vivas, amputava pernas e braços de crianças, sem
anestesia nenhuma, para tentar, sem sucesso, regenerá-los. Com injeções,
tentava injetar tinta azul em olhos de crianças para alterar a cor, mas só provocava
infecções ou cegueira, jogava prisioneiros em água fervente ou extremamente
gelada para ver o quanto suportavam. Era fascinado por gêmeos. Injetava o
sangue de um em outro, de tipo sanguíneo diferente, para ver a reação e também literalmente costurava gêmeos para tentar criar artificialmente gêmeos
siameses!
Crematório - um dos três fornos construídos no crematório de Auschwitz I
Sela onde os prisioneiros ficavam de pé, sem espaço para sentar, durante toda a noite.
Fernando Priamo: Rudolf Franz Ferdinand Höß foi o comandante do campo de concentração Auschwitz-Birkenau, onde foi
julgado e condenado à morte. Ele foi enforcado no próprio campo. Ele
morava lá com a família. A esposa dele adorava o campo de
concentração.
Quando o campo virou museu e a forca foi construída no local onde o comandante foi enforcado, colocaram junto uma foto de Höß. As pessoas que iam visitar o campo começaram a jogar pedra, cuspir na foto tamanha era a revolta.
Quem quiser visitar a mostra, ela se encontra no Centro Cultural Bernardo Mascarenhas na Avenida Getúlio Vargas, 200 - Centro. A exposição fica aberta de terça a sexta-feira – das 9h00 as 21h00 / sábados e domingo – das 10h00 as 21h00. A mostra ficará exposta no espaço Bernardo Mascarenhas somente até o dia 13 de setembro.
Quando o campo virou museu e a forca foi construída no local onde o comandante foi enforcado, colocaram junto uma foto de Höß. As pessoas que iam visitar o campo começaram a jogar pedra, cuspir na foto tamanha era a revolta.
Forca onde o primeiro comandante de Auschwitz foi enforcado em 1947 |