quinta-feira, 29 de agosto de 2013

Campo de Concentração Nazista - Auschwitz sob as lentes de Fernando Priamo

"Parecia que a SS (organização paramilitar ligada ao partido nazista e a Adolf Hitler) iria entrar pela porta e ordenar minha execução. Era uma manhã de outono na Polônia, tudo era cinza, e o frio castigava os inúmeros visitantes. Olhei para cima, tentando fazer a leitura da luz e observei que o céu chorava, as lágrimas estavam em forma de garoa fina, que deixava a paisagem ainda mais pesada. Respirei fundo e me coloque a fotografar...

Através das lentes de minha câmera, o filme de horror nazista se repetia em silêncio, a emoção me arrebatava a cada click; sentia uma angústia profunda, e as lágrimas não demoraram a cair (como aquela garoa lá fora). Era como se cada um dos milhares de mortos naquele local tentasse me pedir ajuda, uma sensação horripilante e amedrontadora.


Ao empunhar a câmera para registrar tudo, sabia que minhas imagens repetiam algo visto e compartilhado pelos quatro cantos do planeta, mas minha missão ali era nobre: levar um grito de PAZ para Juiz de Fora, minha cidade natal e, através das fotografias, dizer um BASTA a todo tipo de injustiça e intolerância. Queria, naquele momento, colocar em cada foto toda minha indignação e repúdio à violência, fazendo com que minhas imagens clamassem por justiça, anexando a cada uma delas a bandeira com o pedido de PAZ."


Porta do Inferno - Auschwitz II - Birkenau
Entrada dos trens que transportavam os prisioneiros

Foi assim que o repórter fotográfico da Tribuna de Minas Fernando Priamo descreveu sua visita à Auschiwitz I e II (Birkenau), campos de concentração nazista onde morreram cerca de 1,5 milhão de pessoas.

Desde o momento em que Adolf Hitler assumiu a liderança política da Alemanha, começou a proclamar a necessidade de se exterminar alguns grupos indesejáveis da sociedade alemã para que o país pudesse se recuperar das humilhações sofridas após a I Guerra Mundial e das consequências da crise econômica de 1929. O momento era muito crítico na Alemanha dos anos 1930, os alemães estavam humilhados pela guerra, revoltados e viram em Hitler a esperança de uma recuperação da nação e depositaram nele toda a confiança. De fato, Adolf Hitler conseguiu reerguer a Alemanha, tirando-a do cenário catastrófico que se encontrava, mas sempre apresentando uma postura radical.

Em 1939, rompeu de vez o clima de instabilidade presente na Europa e uma nova guerra mundial teve início. Foi então que os alemães começaram a construir os campos de concentração nazistas. Foram três os campos principais auxiliados por mais trinta e nove. Localizavam-se nas cidades de Auschwitz Birkenau, próximas da capital polonesa Cracóvia.

O campo de concentração nazista Auschwitz I era o centro administrativo dos campos, é nele que se localiza a famosa placa com a frase “Arbeit Macht Frei” (O trabalho liberta). O campo serviu mais para utilização do trabalho forçado dos prisioneiros, mas foi nele que os nazistas testaram a primeira câmara de gás

Auschwitz II foi construída com o objetivo exclusivo de extermínio. É este o campo mais conhecido pelas pessoas e onde mais se matou pessoas. Era equipado com quatro crematórios e câmaras de gás, as quais podiam receber, cada uma, cerca de 2.500 pessoas por vez.

Já o campo de concentração nazista Auschwitz III, o terceiro entre os três principais, foi utilizado especialmente para trabalho escravo pela empresa IG Farben.

Este complexo envolvendo os três campos de Auschwitz foi o maior entre os dois mil campos de concentração e trabalhos forçados construídos pelos nazistas.

Câmara de gás

Para falar sobre Auschwitz, combinei com o fotógrafo Fernando Priamo uma entrevista no Centro Cultural Bernardo Mascarenhas, onde se encontra a exposição "Retratos de Auschwitz. A arte em busca da paz", que compõe o projeto Foto 13.

Ao entrar na exposição, é como se você entrasse no túnel do tempo e se transportasse para Auschwitz de 1940. Toda a exposição foi cuidadosamente preparada para te levar a esse mundo de horror: fotos em preto e branco, cercadas por arama farpado e com reprodução da placas de aviso de cerca elétrica. Difícil é não sair de lá chorando e impactado com as fortes cenas e histórias que você vai encontrar.

Exposição "Retratos de Auschwitz: a arte em busca da paz"


Abaixo, a íntegra da entrevista realizada com Priamo.


Kelly: Ao entrar no campo de concentração nazista de Auschwitz, o que te chocou, o que te impressionou mais?
Fernando: Foi a forma como o campo está preservado e a história em si. Como a gente já conhece a história, você começa a sentir o que os presos sentiam, você começa a imaginar o que eles estavam passando e a presença das pessoas, a presença dos soldados é muito forte lá ainda. Você começa a fotografar com uma carga de angústia muito grande. E quando você vê, está chorando. Você está completamente envolvido na situação. Parece que você está sendo vigiado o tempo todo. Parece que tem alguém atrás de você.

Por que colocar as fotos em preto e branco?
Eu já captei as fotos em preto e branco. Quando eu fui visitar o campo, eu já tinha a ideia de fazer uma exposição para as escolas municipais. O preto e branco remete a um lugar que não pode ter cor, porque não teve vida, teve morte. Eu não posso dar uma alegria a um lugar que só causou morte e tristeza. O preto e branco vai nos trazer um pouco da realidade que é Auschwitz.

Das histórias que você ouviu por lá, qual te tocou mais?
A que me deixou mais emocionado foi a do Frei Maksymilian Maria Kolbe. Foi um frade franciscano que, em 1982, foi canonizado pelo Papa João Paulo II. Ele trocou a vida dele pela de um prisioneiro, pai de família. O frade foi condenado a morte, como as outras pessoas do campo de concentração nazista. Como tinham duas semanas que ele estava na célula de fome e não morria, lhes deram uma injeção de ácido para ele morrer. A forma como ele se doou foi marcante. E isso lá é muito forte. Como a Polônia é um país católico, eles veneram o frei.

Célula de fome do Bloco 11 - Onde morreu São Maximiliano

Você conversou com algum polonês sobre o campo de concentração nazista?
O guia que estava com a gente era polonês e falou um pouco do que os eles passaram e como lidam com Auschwitz. A história da Polônia é uma história muito triste. Anos e anos a Polônia vem sendo dominada por vários impérios. Ela vem sendo agregada a outros países. Então, o sentimento do polonês de se fortalecer e dar a volta por cima é muito grande. Eles deixam esses campos lá como uma marca de que eles se livraram do nazismo, se livraram do comunismo. E hoje a Polônia só tem crescido.

Dessas fotos, qual você gosta mais?
Não tem uma que eu goste mais. Eu acho que todas fazem parte de um grande conjunto. Porque essas fotos não são fotos para se deixar expostas em casa. São fotos que você leva para uma escola, porque tem um viés didático muito grande. Uma foto só não conta a história, porque essa história é muito rica.

Você doou essa exposição para alguma escola específica?
Eu doei essa exposição toda para a Funalfa. A Funalfa vai fazer uma parceria com a Secretaria de Educação e essas imagens vão percorrer as escolas que quiserem a exposição lá. Assim, os professores vão poder mostrar as consequências da falta de respeito, da desigualdade social. Aushwitz é a consequência da falta de humanidade, respeito, igualdade, solidariedade, de justiça. O campo de concentração nazista é o máximo desse tipo de falta. Eu acho que é isso que os professores deveriam mostrar. A intolerância que a gente tem uns com os outros. A desigualdade social. Aushwitz é um grande acontecimento que agrega essas coisas que pingam na nossa sociedade isoladas, mas que se forem colocadas juntas, se tornam uma Aushwitz. É esse o objetivo da exposição. Fazer as pessoas refletirem sobre como a gente lida com o mundo hoje, como a gente lida com o nosso semelhante. Aushwitz é uma ferida que não cicatriza e nem pode ser cicatrizada porque senão a gente esquece e volta a cometer os erros que os alemães cometeram na Segunda Guerra Mundial.

Em qual palavra você resume Auschwitz?
Desumano. Essa palavra agrega todas as outras.



Mesmo a Alemanha sofre com esse passado negro de sua história. Lá não existe um símbolo da nação. Eles se sentem coibidos em ser nacionalistas. É uma dívida que eles tem com a sociedade e da qual eles tentam se redimir.


No Museus, se encontram os pertences das crianças deportadas para Auschwitz para extermínio.

Evidências de crime - boneca e sapato de criança

No museu está exposta uma das mais chocantes provas do crime - cerca de duas toneladas de cabelos de mulher, cortados das vítimas.

Evidências de Crime - cabelos de mulher


Esses sapatos pertenciam às pessoas deportadas para Auschwitz para exterminio.

Evidência de crimes - sapatos

Durante a Segunda Guerra Mundial, vários médicos alemães realizaram “experiências” desumanas, cruéis, e muitas vezes mortais em milhares de prisioneiros dos campos de concentração. Os cientistas testaram agentes imunizantes e soros para prevenir e tratar doenças contagiosas como a malária, o tifo, a tuberculose, a febre tifóide, a febre amarela e a hepatite infecciosa, inoculando os prisioneiros com tais doenças. Os médicos também testaram diversos métodos, com o objetivo de desenvolver um procedimento eficaz e barato de esterilização em massa de judeus, ciganos, e outros grupos considerados pelos nazistas como racial ou geneticamente indesejáveis.

O principal médico do campo de Auschwitz foi Josef Mengele, que torturou e matou milhares de pessoas em nome da ciência nazista. Os poupados da morte imediata eram enviados para o "zoológico", os barracões onde ficavam as cobaias humanas de seus experimentos. Entre eles, havia principalmente irmãos gêmeos, anões e portadores de deficiências físicas. O "Anjo da morte", como ficou conhecido, dissecava pessoas vivas, amputava pernas e braços de crianças, sem anestesia nenhuma, para tentar, sem sucesso, regenerá-los. Com injeções, tentava injetar tinta azul em olhos de crianças para alterar a cor, mas só provocava infecções ou cegueira, jogava prisioneiros em água fervente ou extremamente gelada para ver o quanto suportavam. Era fascinado por gêmeos. Injetava o sangue de um em outro, de tipo sanguíneo diferente, para ver a reação e também literalmente costurava gêmeos para tentar criar artificialmente gêmeos siameses!


Crematório - um dos três fornos construídos no crematório de Auschwitz I



Sela onde os prisioneiros ficavam de pé, sem espaço para sentar, durante toda a noite.



Fernando Priamo: Rudolf Franz Ferdinand Höß foi o comandante do campo de concentração Auschwitz-Birkenau, onde foi julgado e condenado à morte. Ele foi enforcado no próprio campo. Ele morava lá com a família. A esposa dele adorava o campo de concentração.

Quando o campo virou museu e a forca foi construída no local onde o comandante foi enforcado, colocaram junto uma foto de Höß. As pessoas que iam visitar o campo começaram a jogar pedra, cuspir na foto tamanha era a revolta.

Forca onde o primeiro comandante de Auschwitz foi enforcado em 1947
Quem quiser visitar a mostra, ela se encontra no Centro Cultural Bernardo Mascarenhas na Avenida Getúlio Vargas, 200 - Centro. A exposição fica aberta de terça a sexta-feira – das 9h00 as 21h00 / sábados e domingo – das 10h00 as 21h00.  A mostra ficará exposta no espaço Bernardo Mascarenhas somente até o dia 13 de setembro.


3 comentários:

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  2. Apesar de ter ido somente no campo de concentração de Auschwitz I é impressionante a sensação que todos sentem. A metros de distância dos campos, ainda dentro do trem, já é possível perceber a emoção que nos espera. Parece que estamos dentro de um filme ou de um livro. Infelizmente é tudo real. Parabéns pelo post, Kellyta, e parabéns pela exposição, Fernando Priamo: esse é um tema muito delicado e difícil de ser exposto, a carga emocional é gigantesca e o cuidado com as palavras e ângulos é essencial.

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  3. É um tema que por si só já é pesado. A minha intenção nesse post é tocar as pessoas, mas não horrorizá-las. Como Fernando disse, faze-las refletirem sobre como tratar o outro.

    Belas palavras Thamara. E muito obrigada. Agora aguardo o seu post sobre a Polônia.

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